Conflito Societário e a Dissolução Parcial da Sociedade à Luz do Direito Civil e Processual
- ADRIANO BOLSANELLO
- 7 de ago.
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1. Introdução
A sociedade empresária, por mais bem estruturada que seja, está sujeita a desavenças entre seus integrantes. A convivência empresarial exige mais do que o cumprimento de obrigações contratuais: exige confiança, convergência de interesses e, sobretudo, o elemento subjetivo da affectio societatis — a vontade de permanecer associado para o alcance de um fim comum.
O presente capítulo tem por finalidade analisar, sob o prisma do Direito Civil e do Processo Civil, os desdobramentos jurídicos oriundos de conflitos graves entre sócios, com ênfase na dissolução parcial da sociedade e na exclusão judicial ou extrajudicial do sócio, à luz da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
2. O Elemento Subjetivo da Sociedade e sua Ruptura
Conforme estabelece o artigo 981 do Código Civil, a sociedade constitui-se mediante o acordo de vontades entre os sócios, que se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica e a partilha de resultados. Esse vínculo é sustentado, além da relação jurídica contratual, por um elemento subjetivo essencial: a affectio societatis.
A dissolução da sociedade, total ou parcial, pode decorrer de várias hipóteses legais, dentre as quais se destaca a impossibilidade de continuação da sociedade com determinado sócio. A jurisprudência tem admitido a dissolução parcial da sociedade inclusive nos casos em que se verifica a ruptura da confiança, sem que haja necessariamente conduta tipificada como falta grave.
3. A Dissolução Parcial da Sociedade
Nos termos do artigo 1.031 do Código Civil, qualquer sócio pode se retirar da sociedade, nas hipóteses e formas previstas em lei. Quando essa retirada não é espontânea, mas decorre de situação de conflito insolúvel ou de exclusão forçada, a dissolução parcial passa a ser a via processual adequada, sendo disciplinada atualmente nos artigos 599 a 609 do Código de Processo Civil de 2015.
O STJ, em reiteradas decisões, reconhece a possibilidade de dissolução parcial por quebra do affectio societatis, mesmo sem falta grave. A propósito, no julgamento do REsp 1.548.900/MG, a Terceira Turma afirmou que:
“A simples ruptura do affectio societatis não autoriza, por si só, a exclusão do sócio, mas pode embasar a dissolução parcial da sociedade, desde que inviável a convivência societária.”
Nesse contexto, o Poder Judiciário é instado a intervir para preservar a continuidade da empresa — afastando o sócio insatisfeito, com a apuração de haveres, sem afetar a estrutura da sociedade remanescente.
4. A Exclusão Judicial e Extrajudicial do Sócio
A exclusão judicial de sócio está prevista no artigo 1.030 do Código Civil, que exige, para sua admissibilidade, a comprovação de falta grave no cumprimento das obrigações sociais. A jurisprudência do STJ tem construído parâmetros para o que se entende por “falta grave”, apontando condutas como:
Desvio de valores do caixa social;
Concorrência desleal;
Prática de atos contrários ao contrato social ou à lei;
Sabotagem das atividades empresariais;
Dano à imagem ou ao patrimônio da empresa.
Em decisão recente, a Terceira Turma do STJ reafirmou que a retirada indevida de valores do caixa da sociedade, sem prévia autorização dos demais sócios, configura falta grave e enseja a exclusão judicial do sócio faltoso (REsp 1.829.852/SP, julgado em 18/06/2024).
Ainda mais inovador é o entendimento jurisprudencial acerca da exclusão extrajudicial: o STJ passou a reconhecer sua validade quando prevista expressamente no contrato social e realizada mediante deliberação da maioria dos sócios, mesmo que o contrato não esteja registrado na Junta Comercial — desde que observados os requisitos de publicidade, formalidade e contraditório.
Essa orientação foi consagrada no julgamento do REsp 1.824.891/SP, consolidando a possibilidade de que o próprio instrumento contratual sirva de base para a expulsão de sócios disfuncionais, sem necessidade de judicialização.
5. Dissolução ou Exclusão: Critérios para Escolha
A escolha entre propor uma ação de dissolução parcial ou uma ação de exclusão judicial depende de variáveis práticas e jurídicas. Em linhas gerais:
Situação | Caminho Jurídico Adequado |
Convivência inviável, mas sem falta grave | Dissolução parcial (art. 599 e ss., CPC) |
Conduta lesiva, reprovável e documentada | Exclusão judicial (art. 1.030, CC) |
Previsão contratual de exclusão extrajudicial | Exclusão por deliberação (com formalidades) |
Interesse em manter o quadro societário inalterado | Dissolução com apuração de haveres |
A dissolução parcial é preferível quando o objetivo é preservar a empresa e afastar o sócio em comum acordo ou via judicial sem litígio intenso. Já a exclusão judicial é instrumento adequado em casos de violação grave das normas contratuais, quando há risco ao próprio funcionamento do negócio.
6. Apuração de Haveres e Responsabilidade Pós-Retirada
A retirada do sócio, voluntária ou forçada, exige a apuração dos haveres de forma equitativa, com base no patrimônio líquido da empresa à época da dissolução. O STJ fixou como termo inicial para essa apuração a data da propositura da ação (REsp 1.371.844/SP).
Importante destacar que, mesmo após a retirada, o ex-sócio permanece solidariamente responsável pelas obrigações contraídas durante sua permanência, pelo prazo de até dois anos contados da averbação da modificação contratual, nos termos do artigo 1.003, parágrafo único, do Código Civil.
7. Conclusão
A convivência societária, como toda relação jurídica duradoura, exige equilíbrio, lealdade e boa-fé. Quando o conflito se instala e a continuidade da sociedade é inviável, o ordenamento jurídico oferece instrumentos eficazes para preservar o empreendimento ou punir condutas desviantes.
A dissolução parcial e a exclusão do sócio são remédios distintos, mas complementares, cuja escolha exige avaliação estratégica, provas robustas e domínio técnico. A atuação do advogado é fundamental para conduzir esses processos com segurança, proteger o patrimônio envolvido e assegurar o cumprimento do princípio da função social da empresa.
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